Morrer! E morrer...e morrer...e morrer...

Let’s Just Kiss and Say Goodbye é a primeira montagem a que assisto digno de um Festival. Provocante, intensa e, sobretudo, teatral.

No palco, um grupo de teatro. Eles tem entre 20 e 30 anos de carreira. Eles estão cansados de tudo. Estão cansados das dificuldades de se fazer teatro. E eles amam teatro, esse mundo que recria outros mundos . Esse mundo que (se) nasce e (se) morre n o mesmo instante.

Eles estão no palco de seu teatro. A pedido da diretora – também cansada – vão fazer a última peça de sua vida, e essa peça é um ensaio. Um ensaio onde cada um dos atores vai realizar ao menos um trecho de um personagem que sempre quis – e não pode – representar.  Desejo elevado à máxima potência, desejo potencializado pelo “never more”. Antes disso, porém, eles conversam com o público sobre seu cansaço de um mundo entre nada e qualquer coisa: o nada é o olhar e não ver. A seguir, cada um mostra algumas cenas de peças clássicas que fez no passado imaturo, seguida da forma como as faria hoje.

É um espetáculo para ser plenamente compartilhado por poucos. Por quem é ator ou atriz. Por quem conhece as peças de referência. Por quem conhece Tadeusz Kantor, Teatro Nô, Kabuki e outras estéticas. Por quem já trilhou em seu corpo o teatro-arte e algumas de suas estéticas. Por quem já tem ao menos 20 anos de carreira. Por quem compartilha do cansaço que mata ou quase. Por quem já passou pela desistência.

No entanto, é um espetáculo para muitos. Para quem tem sede de conhecer. Para quem tem sede de arte. Para quem quer reascender uma luz. Let’s Just Kiss na Say Goodbye é uma ode ao teatro, ao teatro da Ideia, da ideia profunda contida em um texto e que é recriada na presença do ator-personagem.

O palco de ensaios é o cenário. A roupa de ensaio é o  figurino. A luz, geral, sem focos.  Aqui e ali, objetos tais como latas de glitter, tintas… apenas objetos que vão ganhar vida quando tatuados na pele ou quando manuseados por cada ator. A música sublinha, apenas. Aqui e ali, alguns refletores coloridos praticamente se iluminam. Cada ator fará o seu próprio foco com sua luz pessoal. O palco é onde está o ator. É Teatro.

A dramaturgia é simples, linear, sabemos o que irá acontecer porque nos contam. Mas o “como” isso acontece é detalhe inesperado. Lembra-me alguns espetáculos de Enrique Diaz com a Cia dos Atores: a cena vai do drama à comédia, do lírico ao trágico, sem avisar. Vai sem ponto, vai com vírgula ou simplesmente deslizando: quando percebemos, já é outra coisa. Impossível não lembrar da arte da palhaçaria. Dessa forma passamos por Shakespeare, por Gil Vicente, pelo teatro oriental, por Tchekhov, pelos autores gregos… uma imensa variedade de cenas. O tema recorrente é o mesmo do espetáculo: a proximidade das mortes e o teatro. Os personagens representados estão em situações-limite, como os atores. Até na representação “para crianças”, a história da corujinha, que serve, como em todo bom drama, para relaxar a plateia antes da próxima porrada, até nela está a crítica.

Ao final, cada ator sairá em estado de orgasmo, de iuppi! E, de novo, restará o silêncio.

Não tem como, parte do público vai rir muito, pensando que é comédia o que é drama ou que é drama o que é deboche. O que apenas reflete nosso atual estágio da Educação, da Cultura mass midia, na qual tudo se superficializa, tudo se etiqueta e não se valoriza a pensar/sentir o diferente não apenas como possibilidade, mas como possível realidade. Nessa coisa preguiçosa, o que não compreendo transformo em algo mais fácil, em algo que já domino. Ou, simplesmente, simples assim, dispenso.

É talvez trágico pensar que, não fossem os atores tão bons, tão inimitáveis, não fosse o espetáculo assim tão virtuoso, muita gente sairia no meio. Que bom seria se, além da dimensão do encantamento que toca os sentidos e os sentimentos imediatos, ficasse também parte da dimensão submersa. Mas isso, como creio disseram os atores no início da obra, talvez não seja mesmo possível.

2 abr 2015, às 00h00.
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